Direito da Saúde

O Tema nº 106 do STF: obstáculo ao acesso a medicamentos

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O Tema nº 106 do STF: obstáculo ao acesso a medicamentos

Semana passada, o STF continuou a julgar o Tema nº 106, sobre fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS. A posição majoritária do tribunal seguiu o voto conjunto dos Ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, que trouxe critérios extremamente rigorosos para o acesso a esses medicamentos.

A justificativa do voto é a necessidade de limitar o impacto financeiro no SUS e assegurar a equidade no acesso à saúde. No entanto, uma análise crítica do voto evidencia obstáculos significativos ao acesso à saúde e violação à autonomia judicial.


Novos critérios: um filtro exageradamente rigoroso

Para que um medicamento não incorporado ao SUS seja concedido judicialmente, será necessário o cumprimento cumulativo de vários requisitos. Entre eles, negativa administrativa de fornecimento, inexistência de alternativa terapêutica no SUS, eficácia comprovada por evidências científicas de alto nível e incapacidade financeira do paciente. Esses critérios colocam um filtro exageradamente rigoroso nos pedidos, tornando o acesso aos medicamentos mais difícil e burocratizado.

Atualmente, os juízes de primeiro grau analisam liminares com base em relatórios dos próprios médicos dos pacientes e em prescrições de tratamentos urgentes. Em alguns casos, também consultam o NATJUS (núcleo de apoio técnico em questões de saúde).

Mas, a partir de agora, mesmo nos casos de urgência, será obrigatória a consulta prévia a órgãos técnicos como NATJUS e CONITEC - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Isso, somado à exigência de comprovação científica profunda sobre o medicamento, impedirá a celeridade nas liminares, prejudicando pacientes graves, como os oncológicos.


Limitações à autonomia dos juízes

Outro ponto de crítica ao voto é a restrição imposta à atuação da magistratura de primeiro grau. Ao obrigar os juízes a consultarem o NATJUS e a CONITEC e ao subordinar as decisões judiciais a provas de evidências científicas de alto nível, a decisão esvazia a capacidade e a prerrogativa dos juízes de interpretarem as demandas de forma independente.

Os relatórios dos médicos que tratam o próprio paciente perdem força, e ganham espaço manifestações genéricas de órgãos técnicos. A obrigatoriedade das consultas a pareceres do NATJUS e da CONITEC e a restrição quanto ao tipo de evidência aceitável para concessão de medicamentos - sem que isso seja determinado por lei formal - soa inconstitucional e coloca os magistrados de primeiro grau em posição de subordinação.

A atuação judicial ficará engessada, especialmente em casos que exigem decisões urgentes.


Impacto social e prático

Os efeitos práticos são evidentes: o cidadão sem recursos financeiros para produzir provas técnicas complexas será prejudicado.

O argumento da proteção ao orçamento do SUS e da necessidade de eficiência nas políticas públicas, embora legítimo, exclui da equação quem mais depende do SUS: os pacientes mais pobres e com doenças graves.

A decisão do STF acaba por sacrificar o acesso aos medicamentos em nome de uma política de contenção judicial.


Conclusão

O voto conjunto dos ministros Barroso e Gilmar no julgamento do Tema nº 106 marca uma mudança profunda em como o Judiciário deve lidar com pedidos de medicamentos não incorporados ao SUS. Os critérios exageradamente rigorosos dificultam o acesso aos tratamentos de forma ágil e efetiva, tornando os processos morosos e complexos.

O cabresto na independência dos juízes de primeiro grau compromete a celeridade do Judiciário em casos que requerem respostas rápidas e individualizadas.

Espera-se que, apesar da formação da maioria de votos no STF, os juízes de primeiro grau não aceitem se tornar meros "despachantes" e "carimbadores" de pareceres e notas técnicas do NATJUS e da CONITEC. Há expectativa de que eles continuem a analisar os pedidos com a inteireza das provas produzidas e com foco nas particularidades de cada caso concreto.

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